quarta-feira, 14 de outubro de 2009

CRONOGRAMA PARTE FINAL DO CURSO

LITERATURA BRASILEIRA - TURMA DAS 18:00/20:00

14/10 - Gustav Hocke - "O mundo como labirinto"

28/10 - Arnold Hauser - "Barroco"

04/11 - Poesia de Gregório de Mattos

09/11 - "Rios turvos"

11/11 - "Boca do Inferno"

18/11 - "Sermão da Sexagésima"

23/11 - "O lúdico e as projeções do barroco"

25/11- "Fronteiras múltiplas e hibridismo cultural"

30/11 - Tomás A. Gonzaga e o Arcadismo

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

ARCADISMO


1. POEMAS DE "MARÍLIA DE DIRCEU" (TOMÁS ANTONIO GONZAGA)


Lira I

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,

Que viva de guardar alheio gado;

De tosco trato, d’ expressões grosseiro,

Dos frios gelos, e dos sóis queimado.

Tenho próprio casal, e nele assisto;

Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;

Das brancas ovelhinhas tiro o leite,

E mais as finas lãs, de que me visto.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte,

Dos anos inda não está cortado:

Os pastores, que habitam este monte,

Com tal destreza toco a sanfoninha,

Que inveja até me tem o próprio Alceste:

Ao som dela concerto a voz celeste;

Nem canto letra, que não seja minha,

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Mas tendo tantos dotes da ventura,

Só apreço lhes dou, gentil Pastora,

Depois que teu afeto me segura,

Que queres do que tenho ser senhora.

É bom, minha Marília, é bom ser dono

De um rebanho, que cubra monte, e prado;

Porém, gentil Pastora, o teu agrado

Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,

A quem a luz do Sol em vão se atreve:

Papoula, ou rosa delicada, e fina,

Te cobre as faces, que são cor de neve.

Os teus cabelos são uns fios d’ouro;

Teu lindo corpo bálsamos vapora.

Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,

Para glória de Amor igual tesouro.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Leve-me a sementeira muito embora

O rio sobre os campos levantado:

Acabe, acabe a peste matadora,

Sem deixar uma rês, o nédio gado.

Já destes bens, Marília, não preciso:

Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;

Para viver feliz, Marília, basta

Que os olhos movas, e me dês um riso.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Irás a divertir-te na floresta,

Sustentada, Marília, no meu braço;

Ali descansarei a quente sesta,

Dormindo um leve sono em teu regaço:

Enquanto a luta jogam os Pastores,

E emparelhados correm nas campinas,

Toucarei teus cabelos de boninas,

Nos troncos gravarei os teus louvores.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Depois de nos ferir a mão da morte,

Ou seja neste monte, ou noutra serra,

Nossos corpos terão, terão a sorte

De consumir os dois a mesma terra.

Na campa, rodeada de ciprestes,

Lerão estas palavras os Pastores:

“Quem quiser ser feliz nos seus amores,

Siga os exemplos, que nos deram estes.”

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

Lira II

Pintam, Marília, os Poetas

A um menino vendado,

Com uma aljava de setas,

Arco empunhado na mão;

Ligeiras asas nos ombros,

O tenro corpo despido,

E de Amor, ou de Cupido

São os nomes, que lhe dão.

Porém eu, Marília, nego,

Que assim seja Amor; pois ele

Nem é moço, nem é cego,

Nem setas, nem asas tem.

Ora pois, eu vou formar-lhe

Um retrato mais perfeito,

Que ele já feriu meu peito;

Por isso o conheço bem.

Os seus compridos cabelos,

Que sobre as costas ondeiam,

São que os de Apolo mais belos;

Mas de loura cor não são.

Têm a cor da negra noite;

E com o branco do rosto

Fazem, Marília, um composto

Da mais formosa união.

Tem redonda, e lisa testa,

Arqueadas sobrancelhas;

A voz meiga, a vista honesta,

E seus olhos são uns sóis.

Aqui vence Amor ao Céu,

Que no dia luminoso

O Céu tem um Sol formoso,

E o travesso Amor tem dois.

Na sua face mimosa,

Marília, estão misturadas

Purpúreas folhas de rosa,

Brancas folhas de jasmim.

Dos rubins mais preciosos

Os seus beiços são formados;

Os seus dentes delicados

São pedaços de marfim.

Mal vi seu rosto perfeito

Dei logo um suspiro, e ele

Conheceu haver-me feito

Estrago no coração.

Punha em mim os olhos, quando

Entendia eu não olhava:

Vendo o que via, baixava

A modesta vista ao chão.

Chamei-lhe um dia formoso:

Ele, ouvindo os seus louvores,

Com um gesto desdenhoso

Se sorriu, e não falou.

Pintei-lhe outra vez o estado,

Em que estava esta alma posta;

Não me deu também resposta,

Constrangeu-se, e suspirou.

Conheço os sinais, e logo

Animado de esperança,

Busco dar um desafogo

Ao cansado coração.

Pego em teus dedos nevados,

E querendo dar-lhe um beijo,

Cobriu-se todo de pejo,

E fugiu-me com a mão.

Tu, Marília, agora vendo

De Amor o lindo retrato,

Contigo estarás dizendo,

Que é este o retrato teu.

Sim, Marília, a cópia é tua,

Que Cupido é Deus suposto:

Se há Cupido, é só teu rosto,

Que ele foi quem me venceu.


Lira XV

Eu, Marília, não fui nenhum Vaqueiro,

Fui honrado Pastor da tua aldeia;

Vestia finas lãs, e tinha sempre

A minha choça do preciso cheia.

Tiraram-me o casal, e o manso gado,

Nem tenho, a que me encoste, um só cajado.

Para ter que te dar, é que eu queria

De mor rebanho ainda ser o dono;

Prezava o teu semblante, os teus cabelos

Ainda muito mais que um grande Trono.

Agora que te oferte já não vejo

Além de um puro amor, de um são desejo.

Se o rio levantado me causava,

Levando a sementeira, prejuízo,

Eu alegre ficava apenas via

Na tua breve boca um ar de riso.

Tudo agora perdi; nem tenho o gosto

De ver-te aos menos compassivo o rosto.

Propunha-me dormir no teu regaço

As quentes horas da comprida sesta,

Escrever teus louvores nos olmeiros,

Toucar-te de papoulas na floresta.

Julgou o justo Céu, que não convinha

Que a tanto grau subisse a glória minha.

Ah! minha Bela, se a Fortuna volta,

Se o bem, que já perdi, alcanço, e provo;

Por essas brancas mãos, por essas faces

Te juro renascer um homem novo;

Romper a nuvem, que os meus olhos cerra,

Amar no Céu a Jove, e a ti na terra.

Fiadas comprarei as ovelhinhas,

Que pagarei dos poucos do meu ganho;

E dentro em pouco tempo nos veremos

Senhores outra vez de um bom rebanho.

Para o contágio lhe não dar, sobeja

Que as afague Marília, ou só que as veja.

Senão tivermos lãs, e peles finas,

Podem mui bem cobrir as carnes nossas

As peles dos cordeiros mal curtidas,

E os panos feitos com as lãs mais grossas.

Mas ao menos será o teu vestido

Por mãos de amor, por minhas mão cosido.

Nós iremos pescar na quente sesta

Com canas, e com cestos os peixinhos:

Nós iremos caçar nas manhãs frias

Com a vara envisgada os passarinhos.

Para nos divertir faremos quanto

Reputa o varão sábio, honesto e santo.

Nas noites de serão nos sentaremos

C’os filhos, se os tivermos, à fogueira;

Entre as falsas histórias, que contares,

Lhes contarás a minha verdadeira.

Pasmados te ouvirão; eu entretanto

Ainda o rosto banharei de pranto.

Quando passarmos juntos pela rua,

Nos mostrarão c’o dedo os mais Pastores;

Dizendo uns para os outros: “Olha os nosso

“Exemplos da desgraça, e são amores”.

Contentes viveremos desta sorte,

Até que chegue a um dos dois a morte.